quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Resenha - South Asia’s Child Rights Theatre for Development: the empowerment of children who are marginalised, disadvantaged and excluded.

Resenha – ETHERTON, M. South Asia’s Child Rights Theatre for Development: the empowerment of children who are marginalised, disadvantaged and excluded. In: Boon, R.; Plastow, J. Theatre and Empowerment: Community Drama on the World Stage. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 188-219.


por Sabrina Lima dos Santos - PIBIC/UEPB 
   
Theatre and Empowerment se trata de uma apresentação de diversos projetos desenvolvidos a partir da arte como ferramenta de transformação e desenvolvimento social com as camadas sociais marginalizadas. Tais projetos são desenvolvidos por estudiosos/artistas, que mostram a capacidade do teatro, da música, da dança e performances nas diversas comunidades em que são aplicados os projetos, afirmando o resultado positivo e a necessidade desses processos na afirmação e no empoderamento do ser, despertando a voz e desabrochando a identidade das comunidades marginalizadas. Irei me debruçar aqui sobre o Capítulo 8 do livro, em que, particularmente, me interessa bastante. Tal capítulo analisa um projeto de teatro com crianças excluídas, no Sul da Ásia, como ferramenta para a promoção da auto afirmação e garantia dos seus direitos.

Theatre for Development (TFD) foi o projeto idealizado por Michael Etherton, que parte da idéia de workshop teatrais para o desenvolvimento e garantia dos direitos das crianças, que se estendeu por várias regiões do Sul da Ásia - Índia, Bangladesh, Paquistão, Sri Lanka e Nepal - e foi trabalhado de diversas formas. A primeira experiência do TFD foi realizado na comunidade de Dhaka, em Bangladesh, em 1988. A oficina foi realizada com os ativistas do programa de desenvolvimento de Bangladesh, Save the Children, e alguns estudantes de teatro da Universidade de Dhaka. Em um primeiro momento, foi-se trabalhada com os moradores de uma aldeia remota do país e foi perceptível um entusiasmo e uma participação intensa e inesperada da comunidade. Jovens, adultos e mulheres começaram a desenvolver performances e debates sobre a identidade de cada um dentro da comunidade.

Posteriormente, foi-se amadurecendo a ideia de trabalhar o TFD na perspectiva de assegurar e auto-afirmar os direitos das crianças excluídas. Com o projeto, as crianças conseguem comunicar as suas perspectivas para adultos em posições de poder e autoridade, abrindo espaço para diálogos entre eles sobre a garantia dos direitos dos jovens e crianças marginalizados. De acordo com a The Convention on the Rights of the Child (CRC), que foi a escora para o ativismo mundial para assegurar o reconhecimento global a e compreensão dos Direitos da Criança, os artigos 12°, 13° e 15° garantem a participação das crianças em tomadas de decisões. De acordo com esses artigos a criança tem o direito de formar opiniões e de expo-las, aplicando, também, em assuntos judiciais e administrativo que a envolva, tem o direito de transmitir e receber informações por meio de qualquer ferramenta midiática e possui o direito à liberdade de associação.

A partir disso, a atuação do TFD é de uma utilidade pública imprescindível a partir do momento em que utiliza a arte, o teatro, para a promoção do desenvolvimento de uma camada social marginalizada no Sul da Ásia, dando vozes aos oprimidos. O processo pelo qual perpassa o projeto é sensível e humano; o TFD preza pelas criações dos dramas de maneira coletiva e criativa, visando a problematização dos assuntos que lhes dizem respeito através da comunicação entre os participantes e de performances expressivas, não se debruçando pelo teatro didático, onde há um script pronto. Essa criatividade coletiva permite que as crianças e os jovens explorem e despertem o poder de escutar e compreender o outro, desabrochando o empoderamento do ser.

Os impactos do Theatre for Development são positivos e impactantes, sendo uma forma de crítica aos descasos governamentais dos países Sul Asiáticos e sendo um agente ativo que promove a auto-afirmação da identidade das crianças e dos jovens socialmente marginalizados. Uma grande movimentação de ONGS estão se aliando para solidificar o reconhecimento do estatuto legítimo das crianças e jovens, o 'Movimento das Crianças' e o TFD esta sendo um ator importantíssimo nesse processo. 

Theatre for Development transcende todos os patamares de exclusão social e da marginalização da sociedade. A partir do momento em que as crianças escolhem os métodos de expressão, as dinâmicas a serem trabalhadas e os problemas a serem dramatizados, elas estão exercendo seus direitos e desenvolvendo o empoderamento. Elas enxergam os problemas de diversas formas e é a partir disso que se pode encontrar uma forma alternativa e eficaz para resolve-los. É necessário que se perceba e valorize essa capacidade da arte no processo de sensibilização, de empoderamento e de segurança humana. A arte transforma; a arte cria pontes de comunicação; a arte pacífica; a arte soluciona; e é preciso exerga-la como uma ferramenta poderosa para a promoção da paz, seja no teatro, na dança, na música ou no papel.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

RESENHA: “INVESTIGAÇÃO PARA A PAZ: PASSADO, PRESENTE E FUTURO” (HAKAN WIBERG)

RESENHA: “INVESTIGAÇÃO PARA A PAZ: PASSADO, PRESENTE E FUTURO” (HAKAN WIBERG1), publicado na Revista Crítica de Ciências Sociais, no. 71, junho/2005.

por Erick Patrício de Magalhães Vieira2

Apresentado em reunião do GEPASM (Núcleo DRI/UFPB) em Outubro/2015.

Desde sua gênese, a disciplina de Investigação para a Paz passou por diversas crises de identidade enquanto buscava firmar-se em um campo epistemológico. Hakan Wiberg¹, renomado peace researcher sueco, propõe-se a delimitar três questões essenciais decorrentes do processo de construção e afirmação da disciplina: o alcance de sua orientação para valores políticos concretos; lugar que ocupa em um campo cognitivo disputado; e a densidade conferida à não-violência na transformação política. Dividido em oito seções, buscou-se discorrer sobre todas as propostas do autor atentando para suas questões mais primordiais, fato que demanda um tratamento prioritário diferenciado entre os tópicos a seguir. No mais, procurou-se interligar as discussões em um corpo único, porém bem delimitado.
Antes de adentrar na História da disciplina, Wiberg aborda as diferentes nuances oncológicas em torno da definição da expressão peace reseach, ou "investigação para a paz", por diferentes idiomas, institutos e investigadores da paz. A primeira controvérsia sobre uma definição uniforme ocorre mediante o uso do termo "paz" por muitas culturas para expressar diferentes combinações de valores sob ênfases relativas. O termo "investigação", por sua vez, denota a existência de critérios para que tal processo seja considerado "investigação ou científico". A terceira controvérsia surge do questionamento "o que se quer dizer quando se junta 'paz' e 'investigação' em uma única expressão"? (pp. 21-22)
Para os fins deste artigo, Wiberg faz uso da oncologia ao utilizar noções amplamente compartilhados por estudiosos que autodenominam-se como "investigadores da paz" (p. 22).
Hakan faz então um retrospecto (p. 23) dos números apresentados pela disciplina:
Há 40 anos: surgimento da Peace Research, com poucos institutos, revistas especializadas e associações recém-criadas.
Há 30 anos: centenas de institutos, dezenas de revistas, associações e congressos nacionais e regionais.
Há 20 anos: números maiores, mas o crescimento rápido havia cessado.
Atualmente: a disciplina atingiu sua maioridade, com obras reconhecendo grandes estudiosos, diretórios, bibliografias e a história da disciplina.
Quando do surgimento dos primeiros institutos na região do Atlântico Norte protestante, o "desenvolvimento posterior apresenta duas vertentes: ao mesmo tempo em que naquela região se criam institutos novos, certas tradições que vigoravam na América Latina [...] e noutros lugares começaram a identificar-se como sendo Investigação para a Paz" (p.23), dinamizando a abrangência de sua agenda.
Segundo o autor, a "história da Investigação para a Paz é, em grande medida, a história das suas crises" (p.23). Hakan destaca três grandes crises responsáveis por moldar a disciplina ao longo de sua história, definindo suas agendas, epistemologia e conceituações: a primeira crise se deu sobre as agendas legítimas que seriam objeto de investigação. A segunda crise favoreceu algumas agendas exclusivamente para encontrar um cerne da disciplina e sua identidade própria. A terceira crise "prendeu-se com o êxito [...] da ideia de transcender a Guerra Fria" (p. 24).
Ao discorrer sobre as crises, Hakan explana que a primeira crise (1970), teve uma envolvência multifacetada. Entre os fatores envolvidos, destacam-se as polêmicas de natureza científica e acadêmica, o alargamento da disciplina mediante a incorporação de novas tradições e as discussões sobre a "nova" e a "velha" agenda. A "nova" agenda, segundo o autor, "propunha debruçar-se sobre a exploração, a dominação e a dependência, o imperialismo, etc." (p.24), acusando o grupo da velha agenda de "investigação para a pacificação" (em vez de emancipatória), "investigação liberal para a paz" (ao invés de crítica), ao que o grupo da velha agenda acusava o novo de promover revolução armada para a paz (p. 24).
A primeira crise produziu diversos resultados importantes: a comunidade da disciplina passou a priorizar soluções do tipo copulativo (x e y) ao invés de soluções do tipo disjuntivo (x ou y), gerando fenômenos de sinergias entre as agendas. Entre outros resultados, destacam-se a "teoria estrutural da violência", de Johan Galtung, onde violência estrutural era contraposta à noção de paz positiva; a tese de doutoramento de Wallenstein (1973) sobre as relações empíricas entre as estruturas do comércio e as estruturas da guerra; além do rápido crescimento da disciplina (pp. 24-25).
Por sua vez, a segunda crise foi consequência da primeira, com o sucesso das negociações e o alargamento da agenda que desta resultara. A segunda crise foi uma crise de identidade da Investigação para a Paz. Hakan argumenta que existiam dois tipos de institutos: aqueles com mandato e agenda razoavelmente limitados e outros com a agenda alargada da comunidade. Os institutos com agenda limitada "tenderam a sobreviver e a prosperar", enquanto aqueles com agenda ampla tiveram grandes problemas (p. 26). De modo geral, durante a segunda crise surgiram novos institutos e a comunidade de investigadores cresceu em demasia.
O fim da Guerra Fria provocou a terceira crise na medida em que gerou questionamentos no interior de diversas disciplinas, entre elas a Investigação para a Paz: "Por que a incapacidade de o prever? Quais tradições de investigação prosseguir e aprofundar? Quais tópicos acrescentar à agenda?" (p. 26). Questões sobre a razão de ser e a identidade da disciplina levaram a disputas epistemológicas com outras disciplinas.
O autor argumenta ainda sobre o consenso existente na disciplina acerca da orientação em função dos valores, onde a Investigação para a Paz tem a ver/por base valores. Galtung já defendia essa ideia quando, fazendo analogia com a medicina e arquitetura, propunha a disciplina como "um triângulo completo, composto por dados, teorias e valores" (p. 27). Surgem então questões acerca dos valores e investigação e o trabalho concreto dos investigadores, em um debate teoria x prática. Esse debate visa expurgar dos trabalhos empíricos proposições de valor que venham a macular os resultados da investigação, extinguindo influências metafísicas através de critérios lógicos ; ou, no melhor dos casos, como explana Gunnar Myrdal (1958), tornar tais proposições de valor tão claras que sejam evidentes as conformidades das premissas com as conclusões normativas (pp.27-28).
Na terceira seção do artigo, Hakan trata da investigação para a paz orientada para políticas (concretas), preterindo a orientação para valores. Assim, surgem problemas como "política para quem?" Políticas para decisores, ou seja, governos e organizações internacionais, têm a vantagem de serem direcionadas diretamente àqueles que tomam decisões, mas possuem a desvantagem de que o valor "paz" não tenha a primazia nas prioridades elencadas por estes. Além disso, tais políticas podem ser, por vezes, deturpadas para adequar-se aos discursos dos decisores3. Não sendo os problemas descritos insuperáveis, o mesmo explica que o investigador atua mais fortemente no papel de conselheiro. Entretanto, não exclusivamente. O investigador pode também atuar na organização da política recomendada. Projetos como o TRANSCEND, de Johan Galtung, a TFF (Transnational Foundation for Peace and Future Research), sediada em Lund, e o projeto INCORE, da Universidade de Ulster, exercem tais papéis (pp.29-31).
Ao explanar brevemente sobre o que os investigadores de paz fazem de concreto, o autor questiona até que ponto a Investigação para a Paz se liga com a realidade efetiva da investigação, uma vez que é dotada de uma base de caráter valorativo, a cabo que ele mesmo responde que uma questão empírica pode ser conduzida pela análise do conteúdo de um fato, mas que uma "orientação de valores pode ser implícita e não, propriamente, algo de explicitamente formulado" (p.33), podem ser estas partes de um amplo projeto, separadas apenas por uma divisão de trabalho.
Na luta pelo seu território cognitivo, a história da disciplina de Investigação para a Paz está intimamente ligada às Ciências Políticas, às Relações Internacionais e aos Estudos Estratégicos, áreas que competem entre si por um território cognitivo. De modo geral, quando não da soberania plena de uma disciplina sobre o território, a coexistência entre as mesmas era regra, permitindo a criação das mais variadas coligações (p.34). Especificamente, Investigação para a Paz vê-se como uma "investigação aplicada", estudando o sistema internacional de uma perspectiva internacional. Abarcando as instituições e relações do objeto de estudo, a disciplina debruça-se sobre os conflitos, a paz e a guerra no interior dos Estados nacionais, funcionando também como especialização adequada (pp. 35-36).
Na seção em que trata das perspectivas de futuro, o autor destaca vertentes extrínsecas, ou seja, instituições e recursos para mostrar-se otimista no futuro da disciplina, apresentando diversas instituições criadas e desenvolvidas no nordeste da Europa (área onde concentra-se o maior número de institutos de referência), bem como o incentivo financeiro angariado por estas. Diante de poucos reveses, a disciplina encontra-se consolidada na região, com alta "densidade de investigação para a paz", e o surgimento de institutos e centros acadêmicos em países latinos e sudoeste da Europa, a exemplo de Coimbra e o centro com a revista especializada onde foi publicado o presente artigo.
Por fim, Hakan busca resgatar a discussão da primeira crise sobre a paz por meios pacíficos. Assim, a crescente institucionalização da Investigação para a Paz causará mais disputas por um território cognitivo para a disciplina. Para manter-se firme, o autor propõe um reforço para certas áreas de investigação para as quais (a disciplina) consiga reclamar uma especial singularidade ou em que possua tradições firmadas" (p. 37). Para isso, os investigadores deverão retomar a ideia de "paz por meios pacíficos" da primeira crise. Essa necessidade se dá em virtude do surgimento de noções como "violência benigna" durante a Guerra Fria, ou seja, lutar contra regimes opressivos e potências aliadas dos mesmos. Assim, a "paz por meios pacíficos" era necessária uma vez que esse tipo de violência "tende a deixar atrás de si uma pesada herança que consiste em passar a ver a violência como um instrumento político legítimo", segundo Hakan citando The Politics of Non-violent Action (1973), de Gene Sharp (pp. 37-38).
Além disso, novos eventos desencadeiam a discussão sobre a utilização de intervenções militares para fins pacíficos, seja através da recomendação das mesmas por investigadores de paz ou atuação em sua eventual organização. Aqui, fica evidente a perda de espaço da ação não-violenta na agenda desde os primeiros anos da disciplina. No passado, fazendo-se uso da versão gandhiana de Galtung de ação não-violenta, dos termos pragmáticos de Sharp ou dos termos clausewitzianos de Boserup e Mack (1975), ou outras versões, diversos casos de sucesso de não-violência foram registrados em todo o mundo (p. 38). Apesar desses exemplos, Hakan defende que a noção de paz por meios pacíficos vai muito além da não-violência. Abrange a busca por "alternativas à guerra ou à ameaça de guerra e sanções econômicas, como bem desenvolveram Galtung (1967) e sobretudo Wallensteen (1968) (p. 38).
Apesar de todas as alternativas, nos primeiros anos discutiu-se a criação de sistemas de paz, desenvolvidos a longo prazo visando encerrar conflitos de naturezas diversas através de soluções pacíficas conjuntamente construídas. Atualmente, essa discussão vem ganhando força, e há quem defenda, assim como o autor, a União Europeia como sistema de paz, uma vez que qualquer conflito interno, mesmo que grave, não possui perspectivas de ameaças militares (pp. 39-40).
Fato é que a Investigação para a Paz apresenta-se atualmente como uma vasta área de estudo, sobretudo pela dimensão multidimensional de paz. Permanecem os questionamentos quanto às disputas entre valores por sistemas dinâmicos e como transcorrerão as relações entre meios pacíficos e militares no que concerne à transformação e transcendências de conflitos (p.40).
1 Hakan Wiberg (1942-2010), renomado peace researcher sueco, trabalhou ativamente com Investigação da Paz em países nórdicos, destacam-se suas atividades na Universidade de Lund, Copenhague e no PRIO, em Oslo. Integrou o comitê editorial do Journal Peace Research por 33 anos. Sua formação multidisciplinar tornou-o influente em todo o mundo.
2 Pesquisador PIBIC/CNPq no projeto "O desafio da paz na América do Sul: as perspectivas de entidades de análise de conflitos e a atuação da UNASUL frente aos litígios potenciais", com o plano "Os diagnósticos sobre paz e segurança no paz: uma análise comparativa das bases de dados voltadas ao entendimento da paz e dos conflitos", sob orientação do Prof. Dr. Marcos Alan S. V. Ferreira.

3 Hakan compara a construção do discurso ao conceito do "Newspeak" (ou "Novilíngua), presente na obra orwelliana 1984 (Orwell, 1949). Remetendo à filosofia da linguagem, a discussão pode ser aprofundada em obras dos filósofos Platão, Aristóteles, Ferdinand de Saussure, Ludwig Wittgenstein, entre outros expoentes.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

RESENHA – "ARTE E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS" DE VALERIE ROSOUX

Ainda sobre a reunião do GEPASM sobre Arte e Construção de Paz do dia 03 de Outubro, um dos textos debatidos foi L’art et Résolution des Conflits da teórica Valerie Rousoux, sendo um capítulo do livro Culture et relations internationales (2007) de Françoise Massart-Pierard.
Rosoux traz uma abordagem deveras interessante para um estudo introdutório das artes na resolução de conflitos. Primeiramente, apresentando a visão de Jean Barrea sobre as artes nas relações internacionais, depois ilustrando o papel da arte na propaganda para a paz; em seguida, a autora sintetiza a atuação da Organização Não-Governamental RCN Justice et Démocratie ao usar a arte para promover a paz em Burundi, na região dos Grandes Lagos Africanos, finalizando com algumas conclusões e profundos questionamentos.
De acordo com Rosoux, ao reformular as Teorias das Relações Internacionais, Jean Barrea ressalta a necessidade de sair das teorias tradicionais para abordar a arte como ampliadora da realidade internacional e, então, poder-se-á considerar o papel da arte na resolução de conflitos.
Então, Rosoux ressalta que ao longo de toda a história das relações internacionais, nota-se o uso da arte na política, principalmente, como instrumento de propaganda nacionalista, cujo papel é traçar perfis da identidade “inimiga”, como no exemplo dado pela autora, das relações franco-alemãs no século XIX, em que os franceses retratavam os alemães como os “maus” e se autodeterminavam como os “bons” e “civilizados”, a partir deste discurso, legitimou-se a violência contra o povo identificado como “bárbaro”.
Tendo em vista o conceito de transubjetividade que, embasada na obra A Poética do Espaço (1978) de Gaston Bachalard, Cynthia Cohen em Engaging with the Arts to Promote Coexistence (2003) expõe-no como o efeito da imagem/estética alheia sobre nós mesmos. Cohen também ressalta que as crianças somente desenvolvem uma identidade étnica ou nacional a partir do momento em que ela captura os símbolos externalizados pelo grupo em que estão inseridas; símbolos esses que podem criar uma imagem “transubjetiva” de que outro grupo étnico ou nacional é inimigo. Logo, percebe-se como a propaganda francesa influenciou na transubjetividade de efeito negativo sobre a construção da identidade de seu povo e de outrem.
No entanto, Rosoux também apresenta como o uso da arte na política como instrumento de propaganda pode repercutir de forma positiva, dando o exemplo da West-Eastern Divan Orchestra, fundada por Daniel Barenboim em 1999, com o apoio de Edward Said, reunindo através da música diversos grupos culturais/étnicos/nacionais, como palestinos, israelenses, egípcios, jordanianos, etc. Mesmo não alcançando efetivamente os países alvos, acabou por ampliar a percepção internacional acerca dos conflitos na região, ou seja, apresenta outra perspectiva de intervenção nos conflitos do Oriente Médio, desta vez  a propaganda tentando suavizar as interações que estigmatizam o inimigo.
Ainda analisando o papel da arte na política, Rosoux a associa com a gestão de conflitos não estatais do passado, percebendo que as expressões artísticas têm uma carga emocional em relação ao passado tão forte que muitas vezes impedem o questionamento de suas próprias representações, mas percebe-se que o questionamento das suas próprias representações artísticas e das representações dos outros são condições fundamentais para a transformação das relações entre as partes.
Daí Rosoux apresenta a concepção de artista de Cohen, dizendo que os artistas utilizam a arte em suas mais variadas formas para promover o compartilhamento de experiências entre grupos outrora beligerantes. Porque Cohen entende que o processo de reconciliação entre grupos sociais de uma ou mais comunidades vai além da coexistência não-violenta, a reconciliação tende a transformar as relações entre esses grupos, substituindo o ódio pela confiança, proporcionando também, a partir da ótica do indivíduo, uma jornada de (re)aprendizado sobre si mesmo, sobre sua comunidade e sobre outrem.
E nesse mesmo sentido, Rosoux apresenta Beatrice Pouligny que entende a arte como forma de comunicação e os artistas “reinventam a paz” ao estabelecer a comunicação do “público” com as emoções. Assim como Schirch e Shank, em Strategic Arts Based Peacebuilding (2008), falam da arte como uma forma de comunicação e de expressão dos seres humanos, portanto, caracterizando-se como instrumento de funções sociais, tendo em vista a capacidade das artes de transformar o modo de agir e pensar das pessoas e, consequentemente, influenciando na dinâmica dos conflitos.
Então, analisa-se a atuação da ONG RCN Justice et Démocratie em Burundi que, desde sua independência em 1962, vem sofrendo com diversos golpes e massacres, além de haver o que Rosoux chama de “ressentimento histórico” entre os grupos étnicos Hutu, Tutsi e Twa. Por isso, a RCN implementou medidas junto à sociedade civil, na tentativa de recompor uma unidade identitária e desenvolver a empatia entre eles.
Inicialmente, a RCN coletou 260 histórias de atos ocorridos nas colinas do Burundi durante a guerra civil, tentando reproduzir atos que substituíssem figuras relacionadas à violência por figuras de justiça e solidariedade; posteriormente, essas histórias foram direcionadas para a educação primária e secundária. Contudo, essas histórias também serviram para grupos de apoio e para performances teatrais, que deram origem a dois espetáculos cujos elencos eram formados por atores das três etnias. Esses espetáculos foram montados a partir de Workshops dados aos diversos segmentos da população, dividindo-se em duas etapas: Na primeira, trabalhou-se a identidade, consciência e julgamento do ator e espectador; já na segunda, voltou-se para os conflitos, sofrimentos (sentimentos) e justiça.


As performances já foram apresentadas a mais de 68.000 burundienses, evitando-se locais rígidos como prédios do Estado ou da Igreja, impulsiona-se depois do show um diálogo entre o “público”, os atores, representantes da comunidade e dois psicólogos. Para Frédérique Lecomte, autor das peças, o grande número de participantes significa que as representações artísticas realmente representaram o sofrimento do povo burundiense, mas não só o representou, levou-o, também, ao questionamento dos outros e de si. Logo, percebe-se o papel da arte não só como canal de catarse do indivíduo, mas também como canal de reflexão do indivíduo sobre os outros. Para Pierre Vincke, diretor da RCN, a função da ficção é permitir a descrição do indescritível, tendo a capacidade de abordar o passado traumático e foi exatamente o que aconteceu com as performances desenvolvidas no Burundi.
Contudo, Rosoux afirma que apenas o uso da arte na resolução de conflitos é insuficiente, a autora infere que é ilusão esperar que a arte possa preencher todas as lacunas deixadas pela guerra, mas deve-se visualizá-las como poderoso instrumento capaz de transformar a dinâmica dos conflitos.
Portanto, Rosoux elenca três condições para conectar o mundo das ideias (base da cultura) com a arte. Primeiramente, quando pensado em longo prazo, a arte se torna ainda mais eficiente na transformação do conflito. Por conseguinte, deve-se considerar a importância do artista num amplo contexto, ressaltando que os projetos artísticos dirigidos à população somente fazem sentido quando aparelhados a ações mais convencionais, por exemplo, na área econômica, política, institucional ou de segurança; essa segunda condição, corrobora com a teoria de Segurança e Emancipação (1991) de Ken Booth, na qual ele diz que a liberdade é o principal valor da emancipação, portanto, deve-se haver liberdade econômica para assegurar a liberdade política dos povos, confirmando também a importância do Estado, uma instituição que se faz necessária como um meio para que os povos atinjam seus fins, assim como a segurança militar é relevante, desde que não seja em detrimento da segurança humana. Já a terceira condição é perceber que a realidade internacional possibilita a analise das relações, não somente dos interesses e problemas.


REFERÊNCIAS:

BACHELARD, GASTON. A Poética do Espaço. In: Coleção: Os Pensadores. São Paulo: Abril S.A. Cultural & Industrial, 1978.

BOOTH, Ken, Security and emancipation, Review of International Studies 17, 313-326, 1991.

COHEN, Cynthia. Engaging with the Arts to Promote Coexistence. In: Imagine Coexistence: Restoring Humanity after Violent Ethnic Conflict. edited by Martha Minow and Antonia Chaves. Hoboken, NJ: Jossey-Bass, 2003.

SHANK, Michel; SCHIRCH, Lisa. Strategic Arts Based Peacebuilding. Peace & Change, 33.2, p. 217-242, 2008.

ROSOUX, Valérie. Arts et Résolution des Conflits. In. F. Massart (dir.), Culture et relations internationales, Presses universitaires de Louvain, p. 101-110, 2007.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

RESENHA: “MARGEM CRÍTICA E LEGITIMAÇÃO NOS ESTUDOS PARA A PAZ”

José Manuel Pureza e Teresa Cravo*

publicado na Revista Crítica de Ciências Sociais, no. 71, junho/2005.

por Theo A. R. Sant'Ana[2]

Apresentado em reunião do GEPASM (Núcleo DRI/UFPB) em Outubro/2015.


A vertente realista das Relações Internacionais (RI), mainstream desse campo de estudos e representante de um modus operandi positivista, vem sendo criticada e questionada – inclusive em seus caracteres liberais –  por um conjunto diverso de vertentes de estudo pós-positivistas desde a segunda metade do século XX. O que Pureza e Cravo apontam é que os Estudos para a paz consolidaram-se como materialização dos desejos pós-positivistas, mas  vêm deixando subverter sua postura epistemológica, antes estado da arte de capacidade crítica, esvaziando-se como fonte de contestação teórica. Além da capacidade crítica do campo estar minada, outra consequência é que aplicações do campo de Estudos de Paz vêm reiterando estruturas de dominação – das quais o próprio realismo nas RI faz parte, em seu discurso – antes criticados pela própria área.
O argumento é dividido em três partes, coincidentes com as seções do texto: “Itinerário de uma ruptura anunciada” (pp. 6-10) apresenta a seara dos Estudos de Paz segundo seu papel rompedor de paradigmas dentro das RI, uma função buscada na própria área, sobretudo nos anos 1980; “Emancipação ou padronização?” (pp. 10-14) mostra a aceitação de preceitos e valores dos Estudos de Paz em políticas globais, contraposta à padronização indevida desses mesmos princípios mundialmente; e “Caminhos e descaminhos de um retorno à crítica” (pp. 14-17) coloca o enfraquecimento da capacidade crítica dos Estudos de Paz, acompanhado do ressurgimento do paradigma realista das RI.
Os autores relembram que as tentativas de um estudo alternativo às RI em meados do século XX ainda tinham como problemas analíticos vieses fortemente ligados à matriz positivista – especialmente o viés realista das RI (p. 7) –  e o estatocentrismo (p. 9) (grifos meus). O positivismo é visto de forma negativa, especialmente por suas cláusulas de imparcialidade do pesquisador e do descompromisso da ciência frente a valores; e a reminiscência do estatocentrismo refletia a dificuldade em criar um estudo objetivo sobre a paz em detrimento  do Estado (grifos meus).
O triunfo sobre esses problemas analíticos se deve fortemente à compreensão do norueguês Johan Galtung. Com os conceitos de paz negativa e positiva, Galtung supera o estatocentrismo, imbuindo esses conceitos de críticas ferinas às estruturas de poder vigentes e a geração de desigualdades (p. 8). A escalada do campo para bases mais críticas e não positivistas decorre do triângulo da violência (representação gráfica da tripartição desse conceito), em dois passos:
1.    Ampliação da capacidade explicativa dos Estudos de Paz, ao abordar a violência – e por correspondência dialética a paz – em seus níveis direto (como “acto intencional de agressão”), estrutural (ou indireta, decorrente “da estrutura social em si entre humanos ou sociedades – a repressão, na sua forma política, ou a exploração, na sua forma económica;”), e cultural (que é “subjacente à estrutural e à directa, constituindo o sistema de normas e comportamentos que legitima socialmente as anteriores”) (p. 9);
2.    Expõe a insuficiência analítica tradicional (p. 10), propondo  os problemas de (i) reprodução da hierarquização entre centro e periferia, (ii) legitimação dessa hierarquização pelo paradigma dominante nas Relações Internacionais (o realismo), e (iii) fôlego insuficiente dos Estudos de Paz para desafiar os dois problemas anteriores.
Além de os Estudos de Paz serem eminentemente multidisciplinares, a segunda cláusula positivista (de descompromisso científico com valores) é rompida ao se colocar o campo de estudos como ciência normativa de justificativa ética (p. 8). Em suma, nos anos 80 há a erupção do pensamento buscador da Paz a nível mundial e dos Estudos para a Paz como escola diversa, de base institucional-acadêmica sólida (p. 10).
Nos anos 90 há grande absorção dos princípios dos Estudos de Paz nas políticas de nível global, com uma cópia do quadro conceitual de Galtung dos anos 70 na Agenda para a Paz de 1992 (p. 11), documento do então Secretário Geral da ONU, Boutros Ghali. Razão disso se dá pelo livramento de conflitos político-diplomáticos e surgimento de conflitos civis bastante violentos (p. 10). Após ampla aceitação, os preceitos dos Estudos de Paz absorvidos  pela ONU, a comunidade científica, organizações multilaterais e diversas ONGs passaram a ser utilizados para a implementação de políticas (p. 11). A absorção nesses termos resultou na colonização do conhecimento dos Estudos para a Paz e a decadência desse campo como margem crítica para as RI.
A “colonização” se refere às mazelas da conduta generalista em processos de peace building: ao examinar os estados falidos com o conhecimento que se tinha sobre os Estudos de Paz, criou-se um receituário universal para a solução desses problemas, aplicado em casos diversos sem se atentar a particularidades de cada situação – no que se chama standard operation procedure. Por ser um modelo de ação globalizado nas dimensões militar e de segurança, político-constitucional, econômico-social e psicossocial (p. 12) disseminador do modelo internacionalista liberal – que se apoia principalmente sobre a democracia de competição eleitoral e a economia de mercado –, o standard operation procedure tem, como alguns de seus problemas, a insensibilidade de tropas operantes frente os locais e a rejeição local daquela receita liberal (loc. cit.).
A decadência do campo como margem crítica para as RI decorre da predeterminação institucional dos Estudos de Paz (a exemplo do standard operation procedure), que limita inputs criativos, críticos e construtivistas. Utilizando a menção dos autores à “articulação kuhniana” entre paradigma (a sobreposição de visões de uma comunidade científica sobre um objeto de estudo) e ciência normal (mapa do conhecimento legítimo de uma comunidade científica) (pp. 6, 11); o que ocorre com a absorção de preceitos de Estudos de Paz por instituições políticas é a constrição da construção de novos paradigmas e o aumento da ciência normal. Ficam escanteadas possibilidades de expansão via teorias e práticas do desenvolvimento, teoria crítica social, análise cultural e de identidade sexual, etc. (p. 13).
Desafios para que os Estudos de Paz retornem à crítica (que é como os fundadores da disciplina a encaminharam) são a incorporação dos Estudos de Paz às estruturas de poder anteriormente por eles criticadas (p. 13, 14), a ineficiência do campo para solução dos problemas a que se propõe resolver e a deslegitimação do campo.
A incorporação institucional dos Estudos de Paz ocorre pela utilização de pesquisadores em trabalhos de auditoria (p. 14), que reflete o inchaço da ciência normal aliado à constrição dos paradigmas; o congelamento do criticismo epistemológico dos Estudos de Paz pode ser o ingresso desse campo de estudos para as instituições que antes eram por ele mesmo criticadas.
A ineficiência dos Estudos de Paz pode se dar tanto nas aplicações políticas de seus princípios – com restrições institucionais à sua capacidade crítica – quanto no debate epistemológico – gerando problemas de legitimidade. Nas aplicações políticas de seus princípios, as investidas para eliminar a violência continuarem restritas a questões sobre a violência direta de grupos notadamente violentos (como ocorre no standard operation procedure), violências domésticas  de outro tipo podem ganhar intensidade; além de uma institucionalização do combate àqueles grupos ou esses outros tipos de violência poder clonar os quadros atuais de guerra (p. 15). Além disso, a questão do armamento nuclear e implicações políticas do clube dos nucleares persistirá como problema, mas provavelmente sem a sinergia de movimentos pacifistas e antinucleares que ocorreu na Guerra Fria (p. 17). Quanto ao debate epistemológico, o realismo encontra novo quadro de existência após o 11/9, que reafirma a ideia de inevitabilidade de conflitos (p. 16), além de a existências de guerras atuais (como EUA x Iraque) se apoiarem em valores de democracia e comunidade no meio internacional para se legitimarem, ou seja: o realismo, reiterando práticas de violência na estrutura internacional, ressurge com resiliência discursiva, dando conta de dialogar com as mudanças ocorridas no sistema desde os anos 90 (p. 17).
Assim, tanto para se implementar princípios dos Estudos de Paz eficientemente quanto  para não congelar o progresso epistemológico crítico dessa disciplina – levando em consideração todas as implicações disso, mencionadas e explicadas no texto abordado –, o que ela deve deve buscar agora é uma radicalização de sua abordagem crítica segundo os princípios pós-positivistas (p. 17-18).





[1] José Manuel Pureza é Professor de Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, onde coordena o Mestrado em Relações Internacionais e o Doutoramento em Política Internacional e Resolução de Conflitos. É igualmente coordenador científico do Programa de Doutoramento Human Rights in Contemporary Societies, iniciativa conjunta do Centro de Estudos Sociais e do Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra. Atualmente (2015) foi eleito para o parlamento de Portugal pelo Bloco de Esquerda.
Teresa Almeida Cravo é Investigadora do Núcleo de Estudos sobre Humanidades, Migrações e Estudos para a Paz (NHUMEP) do Centro de Estudos Sociais e Professora Auxiliar de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. É atualmente co-coordenadora do Doutoramento em Democracia XXI (FEUC-CES) e coordenadora do Mestrado em Relações Internacionais (FEUC).
[2] Pesquisador PIBIC/CNPq no projeto “O desafio da construção da paz na América do Sul: as perspectivas de entidades de análise de conflitos e a atuação da UNASUL frente aos litígios potenciais”, examinando o plano de trabalho “A atuação da UNASUL na contenção da violência de atores não-estatais no Equador e Peru”, orientado pelo Prof. Marcos Alan Ferreira.
[3] Ou Estudos de Paz. Cf. “Investigação para a Paz: Passado, presente e futuro” (Håkan Wberg, Revista Crítica de Ciências Sociais, 71, Junho 2005: 21-42).

domingo, 4 de outubro de 2015

Reunião do GEPASM de 03 de outubro - Artes e Construção de Paz

Continuando as discussões sobre Arte e Paz, na sexta que passou discutimos diversos textos:


O primeiro, de Heather Fryer, Robbie Lieberman and Andrew Barbero, que é uma introdução a todo o número da revista Peace & Change, de Janeiro de 2015: Introduction: Within the Folds of the Complex: Art, Activism, and the Cultural Politics of Peacemaking, muito interessante.

Buscando fazer alguns apontamentos sobre o artigo, ele liga a necessidade de se estudar o ativismo político às manifestações artísticas de construção de paz, já que a paz tem estreita ligação com a justiça. Isso se manifestou em diversos momentos históricos citados pelos autores. Além disso, os autores localizam a inexistência de linha divisória entre artista e ativista - um relacionamento simbiótico- , ainda mais quando se aborda a temática da paz e da justiça.

Dentro das abordagens do artigo, mostrou a necessidade de a arte causar um efeito de estranhamento (citando Bertold Brecht) na audiência, que é impactada a ter consciência efetiva e mover-se, indignada. A busca é que, quem participar da experiência estética, seja confrontado a fazer escolhas.

Entretanto, na prática artística crítica não há vantagem em contraposições frontais; pelo contrário, o objetivo é trabalhar entre as dobras do sistema de poder. Isso lembra muito a contraposição no campo da estratégia, de Clausewitz (ataque frontal) versus Lidell Hart (guerrilha, ataque no ponto frágil). Agindo entre as dobras, os artistas amplificam as vozes dos marginalizados, redefinindo a experiência das pessoas dentro das estruturas hegemônicas de poder (p. 8), interrompendo a inconsciência e a desumanização das ações ou inações, oriundas da ação do poder hegemônico brutal e irracional (p. 9).

Para atuar entre as dobras, fugindo da estratégia perdedora de ser muito visível, ou declarativo, é necessário ao artista/ativista encontrar a dobra dentro do sistema, que é "um ponto de interrupção da ordem interna, uma irregularidade do funcionamento rígido" (p. 7). Explorar e se mover por essas dobras exige esperteza e flexibilidade.

O como buscar esse ponto de dobra é que gerou discussão entre o grupo na sexta-feira, porque requer uma profunda compreensão da realidade da vida das questões da violência, da agressão, de cada comunidade/cultura a ser trabalhada pela performance artística. Se não cairemos em análises simplistas, com ataques performáticos frontais, sem nenhum êxito.

Por outro lado, outro texto produziu uma resposta de como trabalhar com os conflitos e a violência, na construção de paz, não pela performance artística, mas pelo ensino de diversas expressões artísticas aos jovens em situação de risco. No texto de Caballero Mariscal, Miguel Ángel, Humor, performances y expresión corporal como técnicas de comunicación con menores en situación de riesgo, na revista En la Calle (2010) onde o autor, um palhaço, pedagogo e educador de rua, expõe como o humor, a expressão corporal e as técnicas criativas ajudam a conectar e libertar. O sorriso, o riso de si mesmo, é o início do processo liberador e criativo numa sociedade sem perspectivas e repressora. Porque denuncia as verdadeiras possibilidades e limitações, produzindo auto-estima.

O autor apresenta diversas ideias que o grupo Yoniclowns colocou em prática com jovens em situação de risco, como a abordagem de diversas situações de violência em murais que serão expostos; por meio de cenas de haloween utilizando o binômio terror/humor, momento em que os jovens perdem a timidez, lidando com o medo, por meio do humor.

Outras práticas artísticas permitem que o jovem faça a distinção entre a etiqueta social e a essência das pessoas, por meio de conversas e interações com as "autoridades" representadas pelos atores, tais como banqueiros, narcotraficantes, políticos, comerciantes, dentre outros. Mais uma prática ocorre por meio da "criatividade paranoica", trocando de cenas as mais diversas, as crianças interpretam, riem de si e das situações, trabalhando a imaginação e a criatividade. 

Mais uma possibilidade é a utilização e exploração das expressões faciais, trabalhando as emoções e os impulsos, com maquiagens, espelhos e gravações das expressões. Após esse trabalho, os jovens analisam as gravações e suas expressões, comentando, discutindo e se analisando.

Nas noites, esses educadores, em contato contínuo com os jovens, comentam o dia, aspectos positivos e negativos, junto com canções, imagens, poesias e reflexões.

As possibilidades de trabalhar o lúdico e as performances artísticas são as mais variadas, surgindo das capacidades artísticas do educador, indo ao encontro das necessidades e capacidades das crianças. Nisto, há um campo vasto a explorar, com certeza.

Curso de Facilitadores em Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz

De 08 a 11 de setembro, Raabe Magalhães (PIBIC/UEPB 2015-2016) e o Prof Paulo Kuhlmann realizaram o curso de Facilitadores em Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz, ministrado por Lastênia Soares, na ONG Terre des Hommes, em Fortaleza. 




O curso foi muito proveitoso, e profundo, proporcionando momentos muito ricos de conexão com pessoas preocupadas em ser "guardiãs" do círculo, na verdade, cuidadoras, preocupadas em ouvir e lidar, coletivamente, das pessoas.




A partir disso, o PUA/GEPASM já realizou dois círculos de diálogo, facilitados por Raabe e Paulo, e o desejo é que esse processo seja inserido na Escola Santa Ângela.





quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Curso de Performance for Social Change, com Cynthia Henderson

Durante o mês de agosto, o GEPASM/PUA convidou a especialista Fulbright Cynthia Henderson, da Universidade de Ithaca, professora de Teatro e criadora do projeto Performing Arts for Social Change, para desenvolver um trabalho de performance teatral. 

Integrantes do Projeto Universidade em Ação (PUA), docentes e estudantes de graduação e pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e Universidade Federal da Paraíba (UFPB), além de profissionais da área de teatro, estiveram reunidos na formulação da peça teatral que refletiu as situações de violência vivenciadas por algumas comunidades da cidade de João Pessoa.


Entrevistas, conversas, discussões, exercícios e improvisações foram desenvolvidas com o elenco, sob a coordenação e direção de Cynthia Henderson, durante o processo de construção. O resultado dessas atividades deu forma ao script composto por monólogos e cenas que expressam determinados fatos e pontos de vista sobre a violência sentida e vivenciada pelas comunidades pessoenses. 

O projeto deu origem à peça, denominada "Por Quem Choramos? A violência descoberta", que foi apresentada em duas escolas, no dia 27 de agosto: às 10 horas, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Ângela, no Cristo, e às 17  horas, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Dumerval Trigueiro Mendes, no Rangel. Após as duas apresentações, seguiu-se um debate com as pessoas que assistiram, entre alunos e educadores, para saber o que haviam achado. Na segunda apresentação, contamos com a presença de Geraldo Amorim, secretário de Segurança e Cidadania do Município de João Pessoa.
O foco principal da peça foi o de gerar a discussão e o entendimento, por parte dos ouvintes, dos problemas ligados à violência, que muitas vezes são silenciados, não discutidos. Buscar o estranhamento da violência costumeira, cotidiana, e a reflexão. 




Além disso, o interesse é que os que participaram do curso possam criar workshops e cursos voltados a que a juventude dos bairros do Cristo e Rangel, principalmente, faça suas peças, abordando problemas escolhidos pelos próprios participantes, com o intuito da construção da paz.

No dia 16 de outubro, haverá a reapresentação da peça na Praça da Amizade, no Rangel.

Minicurso Arte e Relações Internacionais na UFPB

O PUA/GEPASM realizou, a convite da Profa Xaman Korai (UFPB), na IV Semana Acadêmica de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), ocorrida de 08 a 12 de junho de 2015, o Minicurso de Arte e Relações Internacionais.
O curso tratou de contextualizar as abordagens teóricas que mais possibilitam a inserção da arte como instrumento de empoderamento, capacitação e expressão. Foi realizado em dois dias, 10 e 11. Os facilitadores foram: Luís Eduardo Santos de Oliveira Ramos, Arthur Muniz Fernandes, Suerda Gabriela Ferreira de Araújo, Kalyandra Ferreira, Luan do Nascimento Silva, e Paulo Kuhlmann, todos com envolvimento com alguma abordagem artística e estudos na área.
O objetivo do mini-curso foi de explorar o potencial da Arte em três dinâmicas: a da comunicação emocional entre as pessoas e grupos, na reconciliação entre grupos divididos por conflitos, e na emancipação e reconstrução de grupos ou pessoas em situações de vulnerabilidade social ou pós-conflito. A ideia é que a arte traga um contexto de re-conhecimento de si e do outro, como também de reconstrução das relações, de entendimentos e de transformações sociais.

Este minicurso teve o foco nos trabalhos de Paul Lederach e de Lisa Schirch, bem como de Cynthia Cohen, a respeito do potencial da Arte na Construção de Paz, dentre outros teóricos, como também de teóricos com visão da Arte como base para o empoderamento, como Augusto Boal (estética do oprimido e teatro do oprimido), que é amplamente trabalhado em contextos internacionais, como em Boom e Plastow. Estas abordagens aproximam-se do viés da Teoria Crítica nas Relações Internacionais, mas não se distanciam também das dimensões dos Estudos de Paz na Construção de Paz pela base (Peacebuilding from Below).

O primeiro dia mostrou algumas abordagens da Arte em situações de conflito, como o trabalho dos Payasos sin Fronteras, e o de Théatre & Reconciliation, de Frédérique Lecomte, e realizou  exercícios corporais de meditação em movimento, bem como dinâmicas de aproximação do grupo. Posteriormente, realizou-se um exercício de Teatro Fórum.








No final do dia, foram apresentadas várias situações de conflito e crise, em que os participantes, divididos em grupos, deveriam criar "soluções artísticas". Todas as crises eram situações reais, que soluções artísticas reais tinham sido criadas.




No segundo dia, foram apresentadas as soluções artísticas propostas pelos grupos, bem como as soluções reais implementadas.

Foram momentos muito agradáveis, de uma abordagem diferenciada, no campo das Relações Internacionais, no Brasil.



Agradeço a todos que colaboraram na arrumação da sala, nos meios proporcionados, e também aos facilitadores, sem os quais o minicurso não seria tão bom. Ah, e aos participantes!!!!